quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Não tenho paciência pra Deus Padeiro

“Tudo começa quando eles acham que o mundo foi criado do dia para noite, em sucessões de acontecimentos que cabem em uma semana. Como se Deus tivesse uma fôrma diferente para cada uma das milhares de espécies. Seguem uma visão prática, Deus, caderno de receitas e benevolência. Eis que está assado o mundo.

Ignoram os meios, como se não existissem. Passam direto da idéia panificadora para a porta do forno aberta. Os meios são importantes, eles sempre justificam os finais. Na subseqüente conseqüência de um fato, sem os meios, não há um final.

[...]

Eles, fornalha de pão francês, são tradicionais, comidos com manteiga todas as manhãs, e Deus com suas mãos de biscoiteiro profissional é quem modela os destinos.

São populares, de gosto popular, e por isso tão perigosos. Morrem de medo dos pães com recheio, Olha, aqueles ali tem conteúdo, Deus não gosta, tem o paladar difícil e sofre de azia.

A padaria é sempre cheia, a vizinhança não reclama, alguns até passam pra conferir as bucólicas vitrines. Sempre a mesma receita, onde os queimados, com fisionomia diferente, são descartados.

Não sucumbem às tentações das tortas doces, nem sequer aceitam dividir a mesma estufa. Tentação, mesmo que em formato de torta merece ir para o processador de alimentos.

São escravos da temperatura dos fornos, regulada por mãos hábeis, assados por fora, mas crus por dentro...”

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Amanhã é dia primeiro

Seus olhos parecem que saltam aos olhos, porque são olhos de quem vê. Eu, fumaça soltada pela boca e narinas, que embaçam os olhos quando olho pra você. A fumaça te deixa bonita, mais atraente e a minha mente aberta, certa que esta disposta. Te olhar por alem de uma parede quadriculada, que me cotidiana. Rejunte dessa colcha de retalhos. Alhos, cebolas, temperos e todos os jeitos pra te conquistar. Mas quem é você? Dentes, bocas e sorriso que faltam peças. Eu te adoro e te espero, como se espera o final das novelas, como se pede em novenas. Eu falo de amor, com o mesmo amor que eu falo de religião, resignando, mas esperando pelas duas revelações. Raposa sem caça, polícia sem lei, distrito sem fronteiras. Um único país. Passaporte carimbado pros sem destinos, caído na imensidão do que me espera.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

De tempos em tempos apareciam na minha porta abelhas, eu relutava, Mas Deus, abelhas? Na primavera eu colhia as flores.

término, parte 1

Levantei, acendi um cigarro, o que sobrou de um, de palha. Traguei fundo enquanto ele se manteve aceso, até ser só palha e se apagar entre os meus dedos. Olhando ainda pela janela da sala, arremecei, tentando ser preciso, vendo-o voar em espiral, carregado por um vento que eu não sabia ser permitido para essa noite. Recuei. As mesmas luzes que de hábito acendo, apaguei; a primeira, fazendo o caminho inverso. Uma subta vontade de colocar a mão sobre a boca, como em concha, baforejar e sentir meu hálito de tabaco seco, que é seu cheiro. Me recusei. Quase quis chorar. Me recusei. Apaguei a segunda lampada e a terceira. Acendi a do quarto e vi a cama da qual me levantara - no travesseiro tambem seu cheiro, de bebida barata, de boca seca de saliva, de quem batia a minha porta depois de entregue aos prazeres da noite; e dormia um cansaço ébrio e pesado. Dormia comigo, abraçado por tras. Um corpo suado e o meu que começava a suar pela intença aproximação. Quis trocar toda a roupa de cama. Chorei. Horas antes tinha jogado sua escova de dentes fora, num ímpeto - se pensado não se findaria. Uma forma de, aos poucos, ir me desvencilhando dos laços materiais que apertam demais os sentimentos. Agora eu vejo o quanto eu demorei a chorar e só queria que essas lágrimas que brotam de tempo acumulado descessem pela minha garganta, alcoolicas, como marguerita de dose desregulada de tequila e fosse eu, então, a dormir, ébrio e pesado; tranquilo, suando meu próprio suor, acordando limpo.